Cheguei no dia 11 de agosto em Madri, viajando pela primeira vez em voo da Azul, que recentemente incluiu duas rotas saindo do Recife: para Madri, na Espanha, e para Porto, em Portugal. Antes a melhor opção era viajar de Recife para Lisboa pela TAP, e de lá pegar outro voo, sendo mais cômodo ir direto para Valência, porque o aeroporto de lá está a apenas 15 minutos, da casa da minha filha. Mas essa opção se torna bem mais cara!

Assim, desembarquei em Madri às 8h10 e depois de passar por uma fila gigantesca de imigração seguimos de carro para Cuenca, uma cidade medieval da comunidade de Castilla-La Mancha, originalmente fundada pelos árabes no século XIII e declarada Patrimônio Mundial pela Unesco em 1996. Situada há mais de 900 metros acima do nível do mar e com temperatura média de 37 graus no verão (podendo chegar a 41), a principal característica de Cuenca é ter um conjunto de três casas “colgadas” (penduradas), sobre a foz do rio Huécar, em duas das quais funciona o Museu de Arte Abstrata . Também se pode visitar um castelo, muitos outros museus, ruas charmosas, bares e restaurantes. Almoçamos , passeamos e depois seguimos para Valência, a 200 quilômetros de distância.

casas penduradas sobre penhascos em Cuenca, na Espanha

Como é bom conhecer lugares diferentes, experimentar outros costumes, ver paisagens deslumbrantes, provar outra gastronomia, desligar dos problemas mesquinhos (ou apenas adiá-los).

Sempre aproveitei as oportunidades que se apresentaram de conhecer o mundo, e me arrependo de não ter me esforçado para ampliá-las, mas pude perambular por Buenos Aires (Argentina), Montevidéu (Uruguai), Assunção (Paraguai), Santiago, Viña del Mar, Val Paraiso, praia de Cachaua e montanhas de Valle Nevado (Chile), Paris e várias cidades do vale do Loire, visitando castelos (França), Lisboa, Sintra, Coimbra, Porto, Pontes de Lima, Tomar, Guimarães, Torres Novas, Mação e o Cabo da Roca (Portugal), Estocolmo (Suécia), Tallin (Estônia) e praticamente todos os estados brasileiros. Agora estou em Valência, na Espanha, pela quarta vez, com minha filha e meu genro, e logo irei a Itália, conhecer Roma.

A Espanha é bem grande, tem regiões diversificadas, com cidades que unem história e modernidade, “pueblos” medievais fascinantes, muitas praias, montanhas e até estações de esqui na época mais fria. Nas minhas andanças estive em cidades das Astúrias, da Galícia e da Catalunha, mas a atual onda de calor atrapalhou a vontade de ir até Andaluzia; fica pra outra vez. Da Espanha já conheci as cidades de Madri, Barcelona, Valência, Salamanca, Toledo, Segóvia, Ourense, Cangas, Santiago de Compostela, Óbidos, Ávila, Serra de Gredos e outras. Uma das experiências mais marcantes foi acampar nas montanhas, onde conhecemos lugares lindos, como Bulnes, onde se chega de funicular, e Potes, a 1800 metros de altura, em Picos de Europa.

na Galícia, em 2017

curtindo na Galícia

Conviver com meus "netos" é sempre uma aventura. Eu os reencontrei no dia 11 de agosto, quando cheguei em Valência, e vamos estar juntos até 3 de novembro, quando retorno ao Recife. Meus netos são especiais: Astro é um Golden Retriever de 12 anos, e Luna, uma fêmea de Galgo Espanhol de 7 anos. Ou seja, em idade de humanos meus netos cachorros têm, respectivamente, 89 e 57 anos. Astro já começou a apresentar os problemas típicos da velhice, como catarata, lentidão, um pouco de surdez e artrose. Agora é comum que escorregue nas patas traseiras, mas de forma geral está muito bem e ainda tem disposição para passear na floresta perto de casa e brincar de bola. Luna, que como todo galgo é uma caçadora capaz de correr a até 70km por hora, começou a ficar grisalha.

Eu me identifico bastante com meu neto Astro. Não só por nossos cabelos brancos como por nossa artrose insipiente. Também eu tenho problemas de articulação e dores de coluna e joelhos. Ambos somos comilões, abocanhamos os figos que crescem no quintal da casa e nunca rejeitamos um pêssego maduro (nem muitas outras frutas...).

Astro nasceu em Estocolmo, na Suécia, e foi adotado ainda bebê. Sempre foi um cão lindo e muito bem educado (na Suécia é obrigatório que os cachorros passem por um treinamento para poder conviver com as pessoas). Eu o conheci quando já tinha dois anos, e simplesmente me apaixonei. Luna foi adotada quando já tinha cerca de dois anos e meio, e hoje leva uma vida tranquila, depois de ter sofrido nas mãos dos criadores de galgos, que costumam abandonar os filhotes à própria sorte, sem comida nem abrigo. É uma cachorra bastante esperta, com a elegância de uma top model, característica da raça.

Todos os dias passeamos na floresta, e é uma luta para impedi-los de comer bagas de algarobas e pinhões, que eles adoram mas engorda muito.

Astro, Luna e eu, brincando no jardim

Numa taça alta, este drink pede um terço de cava (champanha valenciana), um terço de suco de laranja (tem que ser laranja bem doce), um terço de gim e vodca (estes dois últimos ingredientes podem ser em menor quantidade, ao gosto do freguês). Por fim, vários cubos de gelo e um gomo de laranja para dar mais charme.

Pensem numa delícia refrescante !

bebida super refrescante, tipica de Valência, feita com champanhe, gim, vodca e suco de laranja

Tomei uma taça desta maravilha num domingo ensolarado, no Café Lisboa, um bar super charmoso da cidade velha de Valência, onde fomos servidos por um simpático garçom italiano, enquanto ao nosso redor pessoas de várias nacionalidades curtiam alegremente a tarde valenciana, bebericando ao ar livre. Apenas alguns bares servem a fantástica Agua de Valência, essa invenção que me causa alegria instantânea.

um prato de macarrão com limão

Foi uma grata surpresa sentir o sabor da Pasta di Amalfi (macarrão à moda de Amalfi, região da Itália), feito com os ingredientes mais simples, que todo mundo geralmente tem na despensa: macarrão , limão, atum e alho. Eu nunca sequer cogitara que essa combinação de ingredientes pudesse ter um resultado tão bom.

Minha atual temporada com minha filha e meu genro está servindo para intensificar meu conhecimento da comida italiana, da qual somos os maiores apreciadores. Praticamente todos os dias cozinhamos algo como lasanha, macarrão, pizza, e outros pratos da cozinha da Itália.

Para a Pasta di Amalfi usamos macarrão cabelo de anjo, de sêmola, mas acredito que com outros tipos e espessuras também dê bom resultado. Enquanto a pasta cozinhava, misturamos numa tigela as raspas e caldo de um limão siciliano, dois dentes de alho ralados no ralo fino, uma lata de atum escorrido, quatro colheres de sopa de azeite extra virgem, meia xícara de queijo parmesão fresco ralado. Quem estiver fazendo, pode acrescentar um pouquinho da água do macarrão se achar que precisa deixar mais cremoso (essa dica da água é um costume das “nonnas” italianas para garantir um molho com brilho e textura). Depois de escorrer o macarrão, misturamos bastante a pasta e o molho, por fim, colocamos um pouco de salsinha por cima. Para acompanhar, vinho italiano, é claro. Sorvete de sobremesa, que o calor na Espanha, onde moram minha filha e genro, nesse dia estava beirando os 37 graus.

De agora em diante este prato faz parte das minhas comidas simples favoritas.

Em Valência, na Espanha, é comum a fantástica instituição do “almuerzo”, uma refeição que pode substituir o café da manhã (desayuno) e o almoço propriamente dito. De origem agrícola, o costume começou com o objetivo de reforçar as energias dos trabalhadores que se alimentavam muito cedo, antes de iniciar a jornada no campo. É sempre servido no meio da manhã, a partir das 9h, quando abrem a maioria das cafeterias, mas nem todas adotam o sistema.

Em geral a refeição é constituída de um “bocadillo” (sanduíche) acompanhado de um “picoteo” que inclui azeitonas e cacahuete (amendoins), com direito a água, café com leite e refrigerante ou cerveja. Chama atenção especialmente o tamanho do sanduíche, que pode ser médio (com bem mais de um palmo) ou grande (o dobro), com recheios variados.

Retrato mulher com sanduíche

Experimentei o almuerzo na charmosa cafeteria Casa del Tapeo, no bairro de Patraix.

Ler, anotar, comprar livros especializados, pesquisar na internet, experimentar combinações com diferentes temperos e molhos, cozinhar e, finalmente, comer.

Seguir receitas é uma paixão. Sigo desde as mais tradicionais, daquilo que se convencionou chamar de “cozinha afetiva” - pratos que nossas mães e avós preparavam em nossa infância, tanto no cotidiano quanto nas celebrações familiares -, até a cozinha atual, dominada pela preocupação com uma dieta mais saudável, em que pratos vegetarianos e veganos ganham protagonismo.

Gosto de quase tudo e amo conhecer a culinária dos diversos lugares. A diabetes me fez desistir dos ingredientes mais glicêmicos no meu dia-a-dia, e fazer substituições, como trocar o açúcar por adoçante e as farinhas brancas por integrais ou aveia, mas descobri que o prazer da comida está muito ligado à adaptação do paladar, que junto com a beleza dos pratos, o colorido e o cheiro, influi diretamente no apetite. Nas festas e em visitas, para não passar nem provocar constrangimento, me sirvo da mesma comida que os outros, se não houver alternativas. Mas, em geral, minha alimentação é variada, saudável e muito gostosa, como espero demonstrar aqui.

Mulher mexendo bowl de macarrão

Três horas da tarde...

Todo o dia sonolenta, ardência nos olhos, sensação de nunca dormir o suficiente, de apenas cochilar de forma descontínua. As pálpebras pesam, me sinto sempre cansada...Mas as noites são de vigília, falta de concentração, inquietude...as pernas doem, tenho câimbras, a luminosidade incomoda...caminho pela casa, vou ao banheiro, bebo água, assalto a geladeira, leio mais um capítulo...

Lembro das estratégias que me aconselham para conseguir dormir e resolvo que agora mesmo é um bom momento para recuperar a falta do sono da noite: está frio, chove, é um dia modorrento... Visto um pijama de algodão, fecho a cortina, deito de lado, travesseiro entre os joelhos; fecho os olhos, ajusto a posição, tento concentrar na respiração e afastar os pensamentos, relaxar...começo a contar “carneirinho um..., carneirinho dois..., carneirinho três..., carneirinho quatro...”

O sono não vem...Ouço barulhos de construção, crianças jogando bola, alguém que grita palavrões, cachorros latindo, carros que passam...

Arre, não adianta, melhor levantar, fazer alguma coisa útil.

À noite vou tentar de novo...

José,

Eu estava tão magoada que só queria morrer de desgosto. Mas assim que escrevi pra você, que desabafei, percebi que morrer assim seria a maior besteira da minha vida, maior do que ter amado um sujeito tão medíocre, que não merece que mulher alguma morra por sua causa.

É, meu caro... faz uma semana que tudo mudou dentro de mim, mas esperei pra lhe falar porque, afinal, você bem que merecia sofrer ao menos um pouco, se sentindo responsável pela minha morte (se é que você é capaz de ter essa consciência...). Faz uma semana que venho me olhando no espelho, falando comigo, me tocando, me acarinhando, me refazendo, renascendo... Sinto que renasci, é isso. Estou viva e vou tratar de reconquistar tudo que abandonei por sua causa. Tenho certeza que a partir de agora minha vida vai ser mil vezes melhor do que a vida que eu levava ao seu lado.

Quando me encontrar não finja que não me viu, não desvie do caminho... Quero que me olhe nos olhos pra ver que eu já lhe esqueci e estou tratando de ser mais feliz do que antes. Como é bom não ter mais você no pensamento! Pena ter demorado tanto nessa relação... Mas, finalmente, o encanto acabou. Agora posso dizer, de alma lavada, como Reth Butler diz para Scarlet no final do filme E o vento levou: francamente, querido, dane-se!

Adeus, desta vez para sempre.

Maria

Vinha pelo corredor em direção ao meu quarto, que era o último. Avançava lentamente para a minha cama, que ficava em frente à porta. Eu, deitada, via apavorada a aproximação inexorável daquele corpo sem cabeça, passos arrastados, roupa em farrapos, braços pendentes a cada lado.

Eu tinha consciência de que era um pesadelo. Confusamente, deduzia que era resultado de comer demais no jantar e estar de barriga para cima, mas não tinha energia para reagir, para mudar aquele cenário ao mesmo tempo real e irreal. Se pudesse levantar, acender a luz... mas não conseguia me mexer Tentava gritar, mas só produzia uns grunhidos agoniados, enquanto pelo corredor estreito aquela coisa continuava avançando, avançando, avançando...

Lembrava que tinha fechado a porta do quarto com duas voltas de chave, mas agora simplesmente não havia porta, nenhuma proteção, minha casa não era mais meu porto seguro: minha cama estava diante de um vão aberto, e a coisa avançava sem parar.

Não sei porque, já que deveria estar dormindo, no meu pesadelo eu tinha um lápis na mão, e enquanto gritava “pare, não se aproxime”, sentindo que as palavras eram proferidas apenas na minha mente, pois a voz era só um estertor, num gesto incerto, incoerente e sem força, joguei o lápis na direção da coisa. E então a cabeça apareceu em cima do corpo, que nessas alturas já estava a apenas alguns passos da minha cama e as mãos já se movimentavam em minha direção. O olhar..., o olhar daquela cabeça era terrivelmente fixo e vazio, parecia não ver nada mas eu sentia que estava me vendo... então, no auge do pavor, quando a coisa começava a estender as mãos em minha direção, o som misericordioso do alarme do celular me acordou.

Muito impressionada narrei o pesadelo para algumas pessoas, tentando interpretá-lo. Alguém, filosoficamente, viu ali um simbolismo da minha capacidade de proporcionar conhecimento, pois a cabeça da mulher (a coisa era uma mulher) apareceu ao ser atingida pelo lápis que eu joguei. Outra pessoa, talvez mais espiritualizada, concluiu que entidades estavam me mandando um recado: aquilo era um sinal de que eu devia mudar de casa, pois já não me sentia segura.

Aquela mulher... quem seria ela? Algumas ideias me ocorreram, entre pessoas vivas e mortas, mas desisti de buscar explicação temendo provocar a repetição daquele momento de terror. Porém o fato é que nunca mais me livrei da sensação de que a qualquer momento, durante a noite, a coisa vai estar me esperando no corredor, com seu terrível olhar fixo, apavorante. Aquela mulher... quem seria ela?