Pesadelo

Vinha pelo corredor em direção ao meu quarto, que era o último. Avançava lentamente para a minha cama, que ficava em frente à porta. Eu, deitada, via apavorada a aproximação inexorável daquele corpo sem cabeça, passos arrastados, roupa em farrapos, braços pendentes a cada lado.

Eu tinha consciência de que era um pesadelo. Confusamente, deduzia que era resultado de comer demais no jantar e estar de barriga para cima, mas não tinha energia para reagir, para mudar aquele cenário ao mesmo tempo real e irreal. Se pudesse levantar, acender a luz... mas não conseguia me mexer Tentava gritar, mas só produzia uns grunhidos agoniados, enquanto pelo corredor estreito aquela coisa continuava avançando, avançando, avançando...

Lembrava que tinha fechado a porta do quarto com duas voltas de chave, mas agora simplesmente não havia porta, nenhuma proteção, minha casa não era mais meu porto seguro: minha cama estava diante de um vão aberto, e a coisa avançava sem parar.

Não sei porque, já que deveria estar dormindo, no meu pesadelo eu tinha um lápis na mão, e enquanto gritava “pare, não se aproxime”, sentindo que as palavras eram proferidas apenas na minha mente, pois a voz era só um estertor, num gesto incerto, incoerente e sem força, joguei o lápis na direção da coisa. E então a cabeça apareceu em cima do corpo, que nessas alturas já estava a apenas alguns passos da minha cama. O olhar..., o olhar daquela cabeça era terrivelmente fixo e vazio, parecia não ver nada mas eu sentia que estava me vendo... então, no auge do pavor, quando a coisa começava a estender as mãos em minha direção, o som misericordioso do alarme do celular me acordou.

Muito impressionada narrei o pesadelo para algumas pessoas, tentando interpretá-lo. Alguém viu ali um simbolismo da minha capacidade de proporcionar conhecimento, pois a cabeça da mulher (a coisa era uma mulher) apareceu ao ser atingida pelo lápis que eu joguei. Outra pessoa, talvez mais espiritualizada, concluiu que entidades estavam me mandando um recado: aquilo era um sinal de que eu devia mudar de casa, pois já não me sentia segura.

Aquela mulher... quem seria ela? Algumas ideias me ocorreram, entre pessoas vivas e mortas, mas desisti de buscar explicação temendo provocar a repetição daquele momento de terror. Porém o fato é que nunca mais me livrei da sensação de que a qualquer momento, durante a noite, a coisa vai estar me esperando no corredor, com seu terrível olhar fixo, apavorante. Aquela mulher... quem seria ela?