Em Valência, na Espanha, é comum a fantástica instituição do “almuerzo”, uma refeição que pode substituir o café da manhã (desayuno) e o almoço propriamente dito. De origem agrícola, o costume começou com o objetivo de reforçar as energias dos trabalhadores que se alimentavam muito cedo, antes de iniciar a jornada no campo. É sempre servido no meio da manhã, a partir das 9h, quando abrem a maioria das cafeterias, mas nem todas adotam o sistema.

Em geral a refeição é constituída de um “bocadillo” (sanduíche) acompanhado de um “picoteo” que inclui azeitonas e cacahuete (amendoins), com direito a água, café com leite e refrigerante ou cerveja. Chama atenção especialmente o tamanho do sanduíche, que pode ser médio (com bem mais de um palmo) ou grande (o dobro), com recheios variados.

Retrato mulher com sanduíche

Experimentei o almuerzo na charmosa cafeteria Casa del Tapeo, no bairro de Patraix.

Ler, anotar, comprar livros especializados, pesquisar na internet, experimentar combinações com diferentes temperos e molhos, cozinhar e, finalmente, comer.

Seguir receitas é uma paixão. Sigo desde as mais tradicionais, daquilo que se convencionou chamar de “cozinha afetiva” - pratos que nossas mães e avós preparavam em nossa infância, tanto no cotidiano quanto nas celebrações familiares -, até a cozinha atual, dominada pela preocupação com uma dieta mais saudável, em que pratos vegetarianos e veganos ganham protagonismo.

Gosto de quase tudo e amo conhecer a culinária dos diversos lugares. A diabetes me fez desistir dos ingredientes mais glicêmicos no meu dia-a-dia, e fazer substituições, como trocar o açúcar por adoçante e as farinhas brancas por integrais ou aveia, mas descobri que o prazer da comida está muito ligado à adaptação do paladar, que junto com a beleza dos pratos, o colorido e o cheiro, influi diretamente no apetite. Nas festas e em visitas, para não passar nem provocar constrangimento, me sirvo da mesma comida que os outros, se não houver alternativas. Mas, em geral, minha alimentação é variada, saudável e muito gostosa, como espero demonstrar aqui.

Mulher mexendo bowl de macarrão

Três horas da tarde...

Todo o dia sonolenta, ardência nos olhos, sensação de nunca dormir o suficiente, de apenas cochilar de forma descontínua. As pálpebras pesam, me sinto sempre cansada...Mas as noites são de vigília, falta de concentração, inquietude...as pernas doem, tenho câimbras, a luminosidade incomoda...caminho pela casa, vou ao banheiro, bebo água, assalto a geladeira, leio mais um capítulo...

Lembro das estratégias que me aconselham para conseguir dormir e resolvo que agora mesmo é um bom momento para recuperar a falta do sono da noite: está frio, chove, é um dia modorrento... Visto um pijama de algodão, fecho a cortina, deito de lado, travesseiro entre os joelhos; fecho os olhos, ajusto a posição, tento concentrar na respiração e afastar os pensamentos, relaxar...começo a contar “carneirinho um..., carneirinho dois..., carneirinho três..., carneirinho quatro...”

O sono não vem...Ouço barulhos de construção, crianças jogando bola, alguém que grita palavrões, cachorros latindo, carros que passam...

Arre, não adianta, melhor levantar, fazer alguma coisa útil.

À noite vou tentar de novo...

José,

Eu estava tão magoada que só queria morrer de desgosto. Mas assim que escrevi pra você, que desabafei, percebi que morrer assim seria a maior besteira da minha vida, maior do que ter amado um sujeito tão medíocre, que não merece que mulher alguma morra por sua causa.

É, meu caro... faz uma semana que tudo mudou dentro de mim, mas esperei pra lhe falar porque, afinal, você bem que merecia sofrer ao menos um pouco, se sentindo responsável pela minha morte (se é que você é capaz de ter essa consciência...). Faz uma semana que venho me olhando no espelho, falando comigo, me tocando, me acarinhando, me refazendo, renascendo... Sinto que renasci, é isso. Estou viva e vou tratar de reconquistar tudo que abandonei por sua causa. Tenho certeza que a partir de agora minha vida vai ser mil vezes melhor do que a vida que eu levava ao seu lado.

Quando me encontrar não finja que não me viu, não desvie do caminho... Quero que me olhe nos olhos pra ver que eu já lhe esqueci e estou tratando de ser mais feliz do que antes. Como é bom não ter mais você no pensamento! Pena ter demorado tanto nessa relação... Mas, finalmente, o encanto acabou. Agora posso dizer, de alma lavada, como Reth Butler diz para Scarlet no final do filme E o vento levou: francamente, querido, dane-se!

Adeus, desta vez para sempre.

Maria

Vinha pelo corredor em direção ao meu quarto, que era o último. Avançava lentamente para a minha cama, que ficava em frente à porta. Eu, deitada, via apavorada a aproximação inexorável daquele corpo sem cabeça, passos arrastados, roupa em farrapos, braços pendentes a cada lado.

Eu tinha consciência de que era um pesadelo. Confusamente, deduzia que era resultado de comer demais no jantar e estar de barriga para cima, mas não tinha energia para reagir, para mudar aquele cenário ao mesmo tempo real e irreal. Se pudesse levantar, acender a luz... mas não conseguia me mexer Tentava gritar, mas só produzia uns grunhidos agoniados, enquanto pelo corredor estreito aquela coisa continuava avançando, avançando, avançando...

Lembrava que tinha fechado a porta do quarto com duas voltas de chave, mas agora simplesmente não havia porta, nenhuma proteção, minha casa não era mais meu porto seguro: minha cama estava diante de um vão aberto, e a coisa avançava sem parar.

Não sei porque, já que deveria estar dormindo, no meu pesadelo eu tinha um lápis na mão, e enquanto gritava “pare, não se aproxime”, sentindo que as palavras eram proferidas apenas na minha mente, pois a voz era só um estertor, num gesto incerto, incoerente e sem força, joguei o lápis na direção da coisa. E então a cabeça apareceu em cima do corpo, que nessas alturas já estava a apenas alguns passos da minha cama e as mãos já se movimentavam em minha direção. O olhar..., o olhar daquela cabeça era terrivelmente fixo e vazio, parecia não ver nada mas eu sentia que estava me vendo... então, no auge do pavor, quando a coisa começava a estender as mãos em minha direção, o som misericordioso do alarme do celular me acordou.

Muito impressionada narrei o pesadelo para algumas pessoas, tentando interpretá-lo. Alguém, filosoficamente, viu ali um simbolismo da minha capacidade de proporcionar conhecimento, pois a cabeça da mulher (a coisa era uma mulher) apareceu ao ser atingida pelo lápis que eu joguei. Outra pessoa, talvez mais espiritualizada, concluiu que entidades estavam me mandando um recado: aquilo era um sinal de que eu devia mudar de casa, pois já não me sentia segura.

Aquela mulher... quem seria ela? Algumas ideias me ocorreram, entre pessoas vivas e mortas, mas desisti de buscar explicação temendo provocar a repetição daquele momento de terror. Porém o fato é que nunca mais me livrei da sensação de que a qualquer momento, durante a noite, a coisa vai estar me esperando no corredor, com seu terrível olhar fixo, apavorante. Aquela mulher... quem seria ela?

Eu era adolescente. O trajeto de ônibus, entre minha casa no subúrbio e a escola no centro do Recife, tinha um atrativo especial que era passar em frente a um dos mais belos casarões que já vi , na esquina das ruas Manoel Borba com Dom Bosco, no bairro da Boa Vista. Meio decadente, algo abandonado, mas ainda imponente. Não sabia a quem pertencia. Eu sempre dava um jeito de sentar à janela, de modo que pudesse apreciar o casarão, e minha imaginação se acendia com histórias românticas de antigas sinhazinhas em seus namoros escondidos, amores contrariados, casamentos arranjados, fugas espetaculares... quanto amor e sofrimento devem ter tido como cenário aqueles jardins, que certamente foram bem cuidados e agora estavam tomados por uma vegetação caótica. Outras vezes parecia-me ver a casa iluminada em dias de festa, os convidados apeando das carruagens ou dos primeiros automóveis que circularam na cidade – ricos, belos, felizes, circulando no jardim ou com as silhuetas entrevistas através das grandes janelas. Como eu queria ser um deles!

Um dia, um dos mais tristes da minha jovem vida, o trajeto para a escola me colocou diante de uma cena que não pude mais esquecer: o casarão jazia em escombros espalhados pelo antigo jardim. Notícias nos jornais diziam que ali seria construído um complexo ultramoderno de apartamentos, era o progresso, etc e tal. Em alguns meses surgiu um monstrengo de muitos andares e extremo mau gosto no lugar do belo casarão. Nunca mais fiz questão de sentar à janela daquele lado do ônibus, e até hoje evito olhar a feiíssima construção.

Foi a primeira perda que tive em relação ao Recife, onde outros belos casarões sistematicamente têm sido substituídos por prédios assépticos, estreitos, sem alma... vidas encarapitadas verticalmente, dominadas pela pressa, o consumo, a tecnologia, a ideia de progresso e modernidade... Não há mais lugar para a mansidão daqueles velhos jardins. Depois, já adulta, perdi a Casa Navio, que ficava em Boa Viagem, à beira mar, e era uma referência: “a gente se encontra em frente à Casa Navio”; “é logo ali, depois da Casa Navio”... as coisas sempre ficavam antes ou depois da Casa Navio. Até que a derrubaram, assim como derrubaram o Castelinho e o edifício Aquarius, também em Boa Viagem, este último um prédio em estilo art nouveu, que até inspirou um filme...Os casarões que sobreviveram foram transformados em pontos comerciais.

Ainda mais triste foi constatar que o poder público, que deveria preservar nossa história cultural e arquitetônica, foi responsável pela derrubada de igrejas, pontes, pórticos, prédios coloniais em geral para abrir avenidas...tudo em nome de uma modernidade sem alma, feita de concreto e aço, incapaz de acender a imaginação de algum adolescente, muito menos a minha que tenho a nostalgia de um Recife perdido no tempo e continuo evitando olhar para os monstrengos que foram dando lugar aos belos casarões da minha infância.

(Originalmente escrito em 15 de março de 2014)

Depois de muito, muito tempo, resolvi voltar a escrever um blog pessoal. Escrevo para estar sintonizada com o mundo. Escrevo para guardar minhas memórias. Escrevo porque gosto de compartilhar estórias. Mas, sobretudo, escrevo para meu prazer.

Estou em uma fase nova da vida, aos 73 anos, em que procuro usar meu tempo apenas com coisas alegres, úteis e proveitosas. Xô preguiça, tristeza e desânimo. Depois de trabalhar por quase 50 anos, finalmente resolvi parar para me dedicar apenas ao egoísta e gostoso projeto de curtir a vida, fazendo coisas que me deixam feliz, como viajar, passar mais tempo com a família, ler mais, ver mais cinema e teatro, tocar instrumentos, ouvir música, cozinhar etc etc etc.

Espero que as pessoas que conheçam meu blog se interessem e sintam vontade de interagir. Será um prazer compartilhar minhas estórias.